Com homenagem à Dona Onete e Wanderley Andrade em cima de banheiro químico, maior edição do Psica reúne 110 mil pessoas
O Festival Psica 2025 fez história a partir de imagens que dizem muito sobre o que o evento se tornou: rainha do carimbó chamegado, Dona Onete, aos 86 anos, transformando o Estádio do Mangueirão em terreiro ancestral; e o bregueiro Wanderley Andrade, no meio da multidão, cantando em cima de um banheiro químico, em um dos momentos mais surpreendentes e autênticos da edição. Ao longo de três dias, entre 12 e 14 de dezembro, o festival reuniu 110 mil pessoas em Belém e realizou a maior edição de sua trajetória.
Em sua 14ª edição, o Psica confirmou o lugar que ocupa hoje no cenário cultural brasileiro como um dos maiores festivais independentes do país e principal vitrine da música amazônica em diálogo com o Brasil e o mundo. O crescimento foi também numérico: a venda de ingressos aumentou 25% em relação ao ano anterior. A edição foi marcada ainda pelo reconhecimento do festival como Patrimônio Cultural Imaterial de Belém do Pará.
Com mais de 70 atrações nacionais e internacionais, a programação ocupou o centro histórico da Cidade Velha e o Estádio do Mangueirão, reunindo artistas consagrados, nomes da cena contemporânea e expressões populares que ajudam a contar a história musical da Pan-Amazônia, conectando ao mundo todo, do Caribe ao Japão. Ao longo dos três dias, o Psica reafirmou seu conceito central: apresentar o Brasil a partir do Norte, com diversidade, protagonismo e pertencimento.
Homenageada da edição, Dona Onete apresentou o espetáculo inédito Quatro Contas, que reuniu mais de 20 artistas, entre músicos, brincantes da cultura popular e integrantes do Tambor de Mina. “É o show dos meus sonhos”, disse a cantora ao ver sua obra atravessar gerações diante de um dos maiores públicos de sua carreira.
Já Wanderley Andrade, que participou do Psica pela primeira vez, protagonizou um dos momentos mais icônicos do festival ao descer do palco e cantar em cima de um banheiro químico, no meio da plateia. A cena sintetizou uma edição marcada por aparelhagens, pirotecnia e peo jeito único de fazer festa que nasce nas periferias do Norte — estética que o Psica transforma em linguagem central de seu projeto artístico.
“O Psica se posiciona hoje no cenário nacional com a cultura paraense e nortista em lugar de protagonismo. No Norte, a gente é abrangente, diverso, plural”, resume Jeft Dias, diretor e curador do festival.
Com cerca de 3 mil pessoas envolvidas diretamente na produção, o Psica 2025 gerou emprego e renda a partir da economia criativa e reafirmou a cultura como eixo de desenvolvimento. O crescimento de público, a diversidade da programação e o reconhecimento como patrimônio cultural consolidam o festival como uma das experiências mais relevantes do calendário cultural brasileiro.
“O Psica sempre foi um espaço para mostrar o Brasil a partir do Norte. Nesta edição, unimos gerações e estilos, do samba ao brega, do rap ao rock, do carimbó à música eletrônica, sempre a partir da perspectiva amazônica”, diz Gerson Dias, diretor e curador do festival.
O Festival Psica 2025 teve patrocínio master da Petrobras e patrocínio do Mercado Livre via Lei Rouanet, além do apoio de O Boticário e TIM, com realização da Psica Produções, Fundação Cultural do Pará, Governo do Pará, Ministério da Cultura e Governo Federal.
Festa no centro histórico e aparelhagem na beira do rio
Com brincantes da cultura popular da Amazônia, o Cortejo Encantado foi o abre-alas da programação na sexta-feira (12), aquecendo o público no primeiro dia do festival com cerca de 20 shows inteiramente gratuitos. Com um público colossal de 70 mil pessoas, segundo números da Polícia Militar, o Psica ocupou as ruas da Cidade Velha com seis palcos espalhados pelo centro histórico, e reafirmou a vocação popular do festival. A noite foi marcada por encontros entre gerações, ritmos e estéticas, com destaque para o canto-oração de Luedji Luna, o tecnobrega eletrizante da banda Xeiro Verde, a cúmbia do cantor colombiano Armando Hernández, a Ball Corpo Dourado 2.0, baile de rua que colocou para dançar seus corpos dissidentes que resistem, brilham e reescrevem o futuro. A noite encerrou com chave de ouro, na Praça do Relógio, no Ver o Peso, ao som da aparelhagem Carabao, fenômeno do Marajó, colocando uma multidão para dançar na beira do rio, no mais emblemático cartão postal de Belém.
O público acompanhou apresentações de Patrícia Bastos, voz do Amapá, que celebrou a cultura da Amazônia ao lado do mestre paraense Ronaldo Silva & Trio Manari, Di Melo, Célia Sampaio, Grupo Manga Verde, O Máximo, Freedom FM, Banda Voo Livre, Amazônico, Boris Percus, Batekô e Ponto BR, além de blocos e cortejos como o Cortejo Encantado, que abriu simbolicamente o festival com uma celebração à ancestralidade amazônica.
Dos medalhões ao novíssimo pop
No sábado (13), o Psica virou uma travessia de ritmos no Mangueirão. Edson Gomes levou ao palco a força do reggae brasileiro, em um show de coro fácil e mensagem direta. Em seguida, o maracatu atômico da Nação Zumbi invadiu o festival para celebrar os 30 anos de Da Lama ao Caos, em uma apresentação que colocou a potência do rock nordestino diante de novas gerações e fez o deleite dos antigos fãs. Fechando o trio de pesos-pesados, Martinho da Vila apresentou o espetáculo “Canta, Canta Minha Gente”, álbum que ele próprio garante ser um marco fundamental do samba brasileiro.
Em uma noite recheada por medalhões da MPB, um dos momentos mais memoráveis do festival ficou por conta do paraense Wanderley Andrade, que fez sua estreia no Psica e deixou a passagem marcada para sempre. Ícone do brega e conhecido por sua irreverência, ele deixou o palco, escalou o gradil e subiu em um banheiro químico no meio do público, transformando o improviso em espetáculo e levando a multidão ao delírio. Ovacionado, Wanderley afirmou ter feito o maior show de seus mais de 30 anos de carreira. “Eu não imaginava uma estrutura tão grandiosa e foi uma honra tocar para esse público”, disse.
A noite teve ainda o aguardado show de Marina Sena, headliner do sábado. Em cerca de uma hora e meia de apresentação, a cantora apresentou as músicas do álbum “Coisas Naturais”, inédito em Belém, e foi recebida com entusiasmo pelo público. Em meio ao show, Marina fez questão de exaltar a plateia paraense: “Eu acompanho vocês nas redes sociais, que vocês se acham porque são o melhor público. E vocês são mesmo o melhor do país”.
Também passaram pelos palcos do sábado Júlia Costa (AJULIACOSTA), Rubi – A Nave do Som, Os Garotin, Carol Lyne, Cravo Carbono, Os Haxixins, Batucada Misteriosa & Toró Açú, D’Água Negra, DJ Lorran e Selo Caquí, além de artistas da cena alternativa e pan-amazônica como o DJ peruano Lucho Pacora, W Mate-U, Paso, Lina Leão, Mist Kupp, Matheus Pojo, Jheni Cohen & Batuque da Lua Crescente, Clementaum, Vacilo, Baby Plus Size e Malka.
Encerramento apoteótico
No domingo (14), Dona Onete transformou o Mangueirão em uma gira ancestral. Em “Quatro Contas”, a artista abre uma porta para um universo em que canto, tambor e memória caminham juntos. Entre banzeiros, rezas e risos, celebra a potência feminina que atravessa sua narrativa ao reverenciar as entidades encantadas Jurema, Mariana, Erundina e Jarina, guardiãs que acompanham Onete desde menina. Na obra, a rainha do carimbó chamegado abre seu relicário mais precioso e convida o público a mergulhar nos caminhos que forjaram a espiritualidade e visão de mundo de uma das maiores representantes da cultura amazônica no mundo.
“Eu fico feliz de poder mostrar que nós temos histórias para contar. Isso tudo foi feito com muito carinho, com todo o meu coração. Fiz o show dos meus sonhos”, disse Dona Onete após a apresentação.
Entre pontos de Tambor de Mina e hits como “No meio do Pitiú” e “Banzeiro”, o show também explicitou a força política que atravessa a obra da artista, que enfrentou violência doméstica e fez questão de alertar sobre sua gravidade. Durante a apresentação, foram projetados no telão contatos para denúncia de agressão contra a mulher, conectando o espetáculo a um debate público urgente. Em um grande carnaval ribeirinho, o espetáculo encerrou trazendo brincantes do Cordão de Cametá - uma apoteose de alegria ao som de canções que falam diretamente ao coração da Amazônia.
O rock doido ficou por conta do mega show do Fruto Sensual, com muita pirotecnia e uma sequência de bregas marcantes que transformou o Mangueirão em aparelhagem a céu aberto. Devidamente trajada de realeza, Valéria Paiva foi coroada rainha do tecnobrega, mostrando a autenticidade irresistível do pop feito na Amazônia.
O público pode conferir ainda nomes como o poeta do samba Jorge Aragão, BK’ convida Evinha — encontro que ligou o rap contemporâneo à voz emblemática da música brasileira dos anos 1960 —, além da banda japonesa The 5.6.7.8’s, que trouxe um diálogo improvável entre o rock garage e o público amazônico. O encerramento também contou com o ícone do rap nacional Mano Brown, o encontro de Urias e Jaloo, Terno Rei, Melly, Mateus Fazeno Rock convida Fernando Catatau, Ian Wapichana convida Moraes MV, Grupo Paracuari, Tudão Crocodilo, Ressôa, DJ Elison New Age, Rameimes, Kiara Felippe, Zek Picoteiro, Clerley Roots, Apropriadamente e Maleîka.
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VÍDEOS com as principais notícias do ParáFONTE: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2025/12/15/com-homenagem-a-dona-onete-e-show-de-wanderley-andrade-em-cima-de-banheiro-quimico-psica-reune-110-mil-pessoas-na-maior-edicao-do-festival.ghtml